Barbatimão: A Casca que Cura - Tesouro do Sertão

Barbatimão - Stryphnodendron coriaceum

1. Introdução

Em meio à paisagem resiliente do Cerrado e da Caatinga brasileira, cresce uma árvore que é um verdadeiro pilar da medicina popular: o Barbatimão (Stryphnodendron coriaceum). Conhecido como a "farmácia do sertanejo", esta árvore é reverenciada não por suas flores ou frutos, mas por sua casca rica e poderosa. 

Com uma concentração extraordinária de taninos, a casca do barbatimão oferece propriedades cicatrizantes, anti-inflamatórias e antissépticas que são validadas tanto pelo conhecimento tradicional de séculos quanto pela ciência moderna. 

Este artigo explora em profundidade todos os aspectos desta espécie fundamental, desde sua botânica e composição química até sua importância ecológica, cultural e os desafios para seu uso sustentável.

2. Nomenclatura do Barbatimão

2.1. Etimologia 

O nome do gênero, Stryphnodendron, vem do grego: stryphnos significa "adstringente" ou "áspero", e dendron significa "árvore", ou seja, "árvore adstringente". O epíteto específico, coriaceum, vem do latim e significa "com a consistência de couro", uma referência à textura de suas folhas. O nome popular "Barbatimão" é uma corruptela do termo tupi "yba-timó", que significa "árvore que aperta" ou "árvore que aperta a carne", uma alusão direta à sua poderosa ação adstringente.

2.2. Classificação Científica do Barbatimão 

A classificação científica do Barbatimão é:

  • Reino: Plantae

  • Filo: Magnoliophyta (Angiospermae)

  • Classe: Magnoliopsida (Dicotyledoneae)

  • Ordem: Fabales

  • Família: Fabaceae (ou Leguminosae), a mesma do feijão e do pau-brasil.

  • Subfamília: Mimosoideae

  • Gênero: Stryphnodendron

  • Espécie: Stryphnodendron coriaceum Benth.

2.3. Nomes Populares do Barbatimão 

Além de Barbatimão, é conhecido como:

  • Barbatimão-verdadeiro

  • Casca-da-virgindade

  • Ibatimô

  • Uabatimô

  • Paricarana (na região amazônica)

Nota: O nome "barbatimão" também é comumente usado para a espécie Stryphnodendron adstringens, muito similar e encontrada predominantemente no bioma Cerrado. As duas espécies compartilham propriedades e usos.

3. Origem e Distribuição do Barbatimão

3.1. Regiões Geográficas Onde o Barbatimão é Encontrado 

O Barbatimão é uma espécie nativa do Brasil, com ocorrência predominante nos biomas Caatinga e Cerrado. Sua distribuição abrange grande parte do Nordeste (Bahia, Piauí, Ceará, Pernambuco), Centro-Oeste e partes do Norte (Tocantins) e Sudeste (norte de Minas Gerais).

3.2. Tipos de Habitat 

É uma planta adaptada a ambientes abertos e ensolarados.

  • Cerrado: Ocorre em diversas fisionomias do Cerrado, como campo cerrado, cerrado típico e cerradão.

  • Caatinga: É uma das árvores mais características do agreste e de áreas de caatinga mais arbórea.

  • Carrasco: Encontrado em vegetações de transição entre o Cerrado e a Caatinga.

A árvore é tipicamente xerófita, ou seja, extremamente adaptada a solos pobres, ácidos e a longos períodos de estiagem.

4. Características Botânicas do Barbatimão

4.1. Hábito de Crescimento 

É uma árvore de pequeno a médio porte, atingindo de 4 a 8 metros de altura. Possui uma copa aberta e arredondada, e um tronco tipicamente tortuoso, característico das árvores do Cerrado. É decídua, perdendo suas folhas durante a estação seca.

4.2. Tronco 

O tronco geralmente tem de 20 a 40 cm de diâmetro. A casca é a sua parte mais valiosa.

  • Casca Externa: Grossa, rugosa, com fissuras longitudinais profundas, de cor cinza-escuro a acastanhado.

  • Casca Interna: Ao ser cortada, revela uma cor avermelhada intensa, que escurece em contato com o ar. É desta parte que se extraem os princípios ativos.

4.3. Folhas 

As folhas são compostas bipinadas, grandes, com 10 a 15 pares de pinas. Cada pina contém numerosos folíolos pequenos, de formato ovalado a elíptico, de consistência coriácea (rígida como couro) e coloração verde-clara.

4.4. Flores 

As flores são pequenas, de cor branco-esverdeada ou creme, e estão agrupadas em inflorescências longas e cilíndricas, do tipo espiga. São perfumadas e surgem geralmente entre setembro e novembro, atraindo muitos insetos.

4.5. Frutos 

O fruto é uma vagem (legume) longa, achatada e de casca grossa, de cor marrom-escura quando madura. Mede de 10 a 15 cm de comprimento. Diferente de muitas leguminosas, a vagem do barbatimão não se abre sozinha (é indeiscente) e costuma cair inteira no chão.

4.6. Sementes 

As sementes são duras, de formato ovalado e cor castanha, dispostas transversalmente dentro da vagem. Possuem um tegumento (casca) muito resistente, o que causa dormência e dificulta a germinação natural.

4.7. Raízes 

O sistema radicular é pivotante e profundo, uma adaptação crucial para buscar água e nutrientes em solos pobres e secos do Cerrado e da Caatinga.

5. Composição Química do Barbatimão

5.1. Principais Compostos Químicos do Barbatimão 

A casca do barbatimão é uma usina química, sendo extremamente rica em:

  • Taninos: É o principal componente, podendo corresponder a mais de 30% do peso seco da casca. São predominantemente taninos condensados (proantocianidinas). São os responsáveis diretos pela sua forte ação adstringente, cicatrizante e antisséptica.

  • Flavonoides: Como a quercetina e a rutina, que possuem atividade antioxidante e anti-inflamatória.

  • Saponinas: Compostos com propriedades tensoativas (detergentes).

  • Estilbenos: Como o resveratrol, também com ação antioxidante.

  • Outros Compostos: Alcaloides, esteroides e triterpenos em menor quantidade.

5.2. Propriedades Medicinais ou Tóxicas do Barbatimão

  • Propriedades Medicinais: A alta concentração de taninos confere ao barbatimão suas célebres propriedades: cicatrizante, anti-inflamatória, antisséptica, antibacteriana, antifúngica, hemostática (estanca sangramentos) e adstringente.

  • Propriedades Tóxicas: A ingestão do chá da casca em altas doses ou por tempo prolongado é contraindicada. Os taninos podem causar irritação no trato gastrointestinal, prejudicar a absorção de nutrientes (como ferro e proteínas) e, em excesso, podem ser tóxicos para o fígado e os rins. Seu uso é principalmente tópico (externo).

6. Variedades de Barbatimão

6.1. Diferentes Variedades ou Subespécies do Barbatimão 

Não há subespécies ou variedades de S. coriaceum formalmente descritas na botânica. A principal confusão ocorre com outras espécies do mesmo gênero, como o Stryphnodendron adstringens (barbatimão-do-cerrado), que é morfologicamente muito parecido, mas ocupa áreas mais centrais do Cerrado. Ambas as espécies possuem propriedades medicinais semelhantes e são usadas para os mesmos fins.

7. Importância Ambiental do Barbatimão

7.1. Papel do Barbatimão no Ecossistema

  • Fixação de Nitrogênio: Como membro da família Fabaceae, o barbatimão possui nódulos em suas raízes que abrigam bactérias capazes de fixar o nitrogênio atmosférico. Isso enriquece o solo pobre do Cerrado e da Caatinga, beneficiando outras plantas ao redor.

  • Recuperação de Áreas Degradadas: Por ser uma planta pioneira e rústica, é excelente para a recuperação de solos degradados e áreas de mineração.

  • Fonte de Recurso para a Fauna: Suas flores atraem insetos polinizadores e suas folhas podem ser consumidas por alguns animais.

7.2. Interações do Barbatimão com Outras Espécies

  • Polinizadores: As flores são polinizadas por uma diversidade de insetos, principalmente abelhas.

  • Dispersão: A dispersão das sementes é feita principalmente por animais (zoocoria) que consomem as vagens caídas, e também pela água da chuva (hidrocoria).

8. Importância Econômica do Barbatimão

8.1. Usos Comerciais do Barbatimão

  • Indústria Farmacêutica e Cosmética: É o principal uso. A casca é a matéria-prima para a fabricação de sabonetes íntimos, cremes cicatrizantes, pomadas anti-inflamatórias, géis, loções e produtos odontológicos.

  • Curtumes: Historicamente, o tanino da casca foi amplamente utilizado para curtir couro, tornando-o mais resistente e durável.

  • Madeira: A madeira é moderadamente pesada e usada localmente na construção civil rural, para lenha e para a produção de carvão de boa qualidade.

  • Apicultura: É considerada uma planta melífera, importante para a produção de mel.

8.2. Valor Econômico do Barbatimão 

O valor econômico está concentrado na cadeia do extrativismo sustentável da casca. Cooperativas e comunidades locais geram renda através da coleta e venda da casca para indústrias. A exploração descontrolada, no entanto, é uma ameaça, pois a retirada completa da casca (anelação) mata a árvore.

9. Importância Cultural do Barbatimão

9.1. Uso do Barbatimão em Tradições e Práticas Culturais 

O barbatimão é uma das plantas mais importantes da medicina popular em todo o Brasil, especialmente no interior. Seu conhecimento é passado de geração em geração. É o remédio de primeira escolha para ferimentos, cortes, queimaduras e para a saúde da mulher, sendo amplamente usado para banhos de assento no pós-parto e para tratar inflamações e corrimentos.

9.2. Significado Simbólico ou Religioso 

Não possui um forte simbolismo religioso, mas é um símbolo cultural de cura, proteção e resiliência. Ter um pé de barbatimão no quintal ou saber onde encontrá-lo é ter acesso a uma farmácia natural, um símbolo de autossuficiência e conexão com a terra.

10. Uso Culinário do Barbatimão

Nenhuma parte do barbatimão é comestível.

11. Uso Medicinal do Barbatimão

11.1. Propriedades Terapêuticas do Barbatimão

  • Cicatrizante potente: Acelera a regeneração da pele e mucosas.

  • Anti-inflamatório: Reduz a inflamação em feridas e mucosas.

  • Antisséptico / Antimicrobiano: Combate bactérias e fungos, prevenindo infecções.

  • Adstringente: Contrai os tecidos, ajudando a estancar sangramentos (hemostático) e a reduzir secreções.

  • Analgésico local.

11.2. Aplicações na Medicina Tradicional e Moderna

  • Uso Tópico (Externo): É a forma mais segura e comum. O decocto (chá) da casca é usado para:

    • Lavar feridas, cortes, úlceras varicosas e escaras.

    • Banhos de assento para higiene íntima feminina, tratamento de candidíase, corrimentos e inflamações no pós-parto.

    • Bochechos e gargarejos para aftas, gengivite e dor de garganta.

  • Uso Interno: Tradicionalmente usado para úlceras, gastrite e diarreia, mas este uso é desaconselhado sem supervisão profissional devido aos riscos.

11.3. Efeitos Colaterais e Precauções

  • Evitar o uso interno.

  • Não usar em gestantes ou lactantes.

  • Pode causar ressecamento da pele e mucosas se usado em excesso.

  • Garantir que a coleta da casca seja feita de forma sustentável, sem matar a árvore.

12. Produtos à Base do Barbatimão

12.1. Produtos Comerciais Derivados da Planta

  • Sabonetes íntimos e bactericidas.

  • Pomadas e cremes cicatrizantes.

  • Géis para tratamento de acne.

  • Extratos fluidos e tinturas.

  • Casca seca rasurada (vendida em mercados e lojas de produtos naturais).

12.2. Processos de Fabricação 

A casca é seca, moída e submetida a processos de extração (geralmente com água ou álcool) para obter os extratos que serão incorporados nas formulações farmacêuticas e cosméticas.

13. Cultivo do Barbatimão

13.1. Clima e Temperatura 

Clima tropical sazonal, com uma estação seca bem definida. Tolera altas temperaturas e insolação direta.

13.2. Solo 

Pouco exigente, prefere solos de cerrado, ácidos, arenosos e bem drenados. Não tolera encharcamento.

13.3. Plantio 

As sementes possuem dormência e necessitam de tratamento (escarificação) para germinar. O plantio de mudas é o método mais eficaz.

13.4. Irrigação 

Necessária apenas para o estabelecimento inicial da muda. Plantas adultas são muito resistentes à seca.

13.5. Adubação 

Geralmente não é necessária, pois a planta é adaptada a solos pobres e fixa nitrogênio.

13.6. Espaçamento 

Para plantios de recuperação, espaçamentos de 3x2 metros.

13.7. Controle de Pragas e Doenças 

É uma planta muito rústica, raramente atacada por pragas ou doenças.

13.8. Poda 

Apenas poda de limpeza ou formação, se necessário.

13.9. Colheita 

A colheita da casca deve ser feita em árvores adultas, retirando-se apenas placas de casca em um dos lados do tronco (método da "janela"), permitindo que a árvore se recupere. A colheita total da casca em anel mata a planta.

13.10. Rotação de Culturas 

Não se aplica, mas é excelente para consórcios em sistemas agroflorestais e recuperação de pastagens.

14. Curiosidades Sobre o Barbatimão



  • O apelido "casca-da-virgindade" vem de sua forte propriedade adstringente, que causa a contração dos tecidos da mucosa vaginal.

  • Antes dos antissépticos modernos, o pó da casca de barbatimão era um dos principais recursos para tratar o coto umbilical de recém-nascidos e em cirurgias rurais.

  • O barbatimão foi apelidado de "antibiótico do sertão" devido ao seu uso disseminado como cicatrizante e antisséptico natural.

  • Durante o período colonial, era amplamente usado por escravos e curandeiros em substituição a medicamentos europeus inacessíveis.

  • Estudos mostram que o extrato de barbatimão pode ter ação antitumoral, sendo investigado para novos fármacos.

  • A casca contém até 20% de taninos, o que a torna uma das plantas brasileiras com maior teor dessa substância.

15. Considerações Finais

15.1. Resumo dos Pontos Principais 

O Barbatimão (Stryphnodendron coriaceum) é uma árvore nativa dos biomas Cerrado e Caatinga, cuja casca avermelhada é uma das fontes mais ricas de taninos da flora mundial. Essas substâncias lhe conferem potentes propriedades medicinais, principalmente cicatrizantes, anti-inflamatórias e antissépticas, consolidando seu papel na medicina tradicional e na indústria cosmecêutica. Sua importância ecológica como fixadora de nitrogênio e sua resiliência a condições áridas a tornam uma espécie-chave para seu ecossistema.

15.2. Importância da Planta para a Ciência e a Sociedade 

Para a ciência, o barbatimão é um modelo para estudos farmacológicos, oferecendo compostos bioativos que podem levar a novos medicamentos. É também fundamental para pesquisas sobre recuperação de áreas degradadas e adaptação de plantas a mudanças climáticas. Para a sociedade, é um patrimônio cultural imaterial, representando a sabedoria popular em saúde. Seu manejo sustentável é um caminho para a geração de renda em comunidades locais, unindo conservação ambiental e desenvolvimento econômico.

16. Fontes

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