Quem já bebeu água de cabaça, sabe o gostinho peculiar que ela tem. Gostinho esse que me transporta a minha infância, quando nos meses de férias, passava dias na casa dos meus avos no sítio Cercado das Pedras. Como toda criança, cheia de curiosidade, acompanhava meu avo, Sr. Nascimento, à roça e observava que uma presença era constante - a cabaça, usada como cantil e que era guardada embaixo de um juazerio, repousando à sua sombra enquanto meu avô trabalhava e eu, claro, brincava. Logo tive a minha própria cabaça, que meu avô confeccionou pra mim. Era uma cabaça pequenina, mas que eu não trocava por nada. O sabor daquela água ainda reside em mim, como a forte saudade de meus avós.
É neste clima saudosista que eu vos apresento a CABAÇA:
Cabaça ou porongo é a designação comum dos frutos de plantas da família das cucurbitáceas, especialmente da Lagenária vulgaris. As plantas são chamadas de cabaceira, porongueiro, cabaceiro e, na Amazônia, de jamaru.
O fruto seco é amplamente utilizado em diversos países do mundo, de várias formas:
1. Vasilha para uso em refeições, como cuias ou copos;
2. Moringa para transporte de líquidos, normalmente, água para se beber durante uma viagem;
3. amplificador acústico em instrumentos musicais, como o chocalho, afochê, maraca, sequerê ou xequerê, abê e malimba;
4. Como decoração.
No que diz respeito ao berimbau brasileiro, a menção ao uso de cabaças da família das cucurbitáceas, como a Lagenaria vulgaris, é incorreta. A cabaça utilizada no berimbau é o fruto de uma espécie não aparentada, a árvore Crescentia cujete (bignoniáceas), também conhecida como calabaça, cuia e cueira, da qual nós falamos na postagem anterior.
![](//4.bp.blogspot.com/-26S314nwSy8/Tud4sPNCFAI/AAAAAAAAAwE/cCg19LxndAs/s1600/capoeira-berimbal.jpg)
Em
casas
ribeirinhas,
indígenas
e
quilombolas
do
Brasil,
os
frutos
dos
cabaceiros,
das
cuieiras
e
dos
porongos
costumam
ser
partidos
em
vários
formatos,
esvaziados
do
miolo,
polidos
e,
quem
sabe,
até
tingidos
e
decorados
com
incisões
de
exímia
precisão,
para
servir
como
baldes,
coiós,
bacias,
copos,
tigelas;
ou
como
cuias
de
tomar
água,
tacacá,
chibé
e
mingau,
no
Norte e Nordeste,
ou
chimarrão
e
tereré,
no
Sul
e
no
Centro-Oeste.
Desses
mesmos
frutos
que
são
transformados
em
objetos
para
comer
e
beber,
também
se
fazem
instrumentos
de
trabalho
de
pescadores,
seringueiros
e
produtores
de
farinha
de
mandioca,
que
partem
suas
bandas
de
cuia
para
levá-las
aos
rios,
às
florestas
e
casas
de
forno.
![](//4.bp.blogspot.com/-t8e0wUKTo4o/Tud8JPKem8I/AAAAAAAAAwc/CFKdzjdingg/s320/robert-rivera-775474.jpg)
Consideradas por diversos grupos humanos como elementos dotados de poderes especiais, as cuias e cabaças estão presentes num vasto conjunto de práticas rituais e tradições religiosas, de matrizes indígenas e africanas em especial, amplamente difundidas no Brasil. Inteiras ou cortadas em partes, ocas, preenchidas ou envoltas em palhas e contas, lisas ou decoradas com incisões, todas têm seus donos na Terra e nos outros mundos, e constituem objetos prenhes de significados ritualísticos que só podem ser integralmente compartilhados por iniciados que conhecem “o fundo da cabaça”.
![](//3.bp.blogspot.com/-zR6Y88hedP4/Tud7_gdUdcI/AAAAAAAAAwU/vQeJS3PtFhg/s320/kuarup2.jpg)
Taxonomia
A Lagenaria vulgaris é uma trepadeira herbácea. Não se sabe exatamente o origem desta espécie. Trabalhos arqueológicos identificaram artefatos da planta em diversas regiões do mundo, sem no entanto, conseguir identificar a origem. Provavelmente por ser uma fruta flutuante como o coco, cujo formato lacrado permitiu seu transporte através de rios e correntes oceânicas desde épocas remotas, permitindo que suas sementes intactas se difundissem por todo o globo.
Uso, prática e custo
Além da predominância da tradição na maior parte dos casos, é interessante observar que todos os usos relativos estão associados a culturas com baixa tecnologia, já que os objetos adaptados a partir da casca da planta já foram aperfeiçoados há muito tempo, em quase todos os locais de uso atual, ou estes já tiveram acesso a eles.
Por outro lado, pode-se associar seu uso também a culturas economicamente distantes dos centros, já que mesmo tendo acesso, muitos locais adotam o uso por questões financeiras.
Em termos musicais, a substituição não se resume apenas a uma questão cultural ou econômica, já que os instrumentos musicais têm uma personalidade ou um timbre característico, e basicamente devido ao material de que são compostos. Portanto, mudar a base de um instrumento feito a partir da cabaça não seria necessariamente uma boa opção, já que os instrumentos artificiais têm quase sempre uma sonoridade inferior aos instrumentos feitos com materiais naturais.
2 Comentários
Existe alguma fruta da família da Lagenaria ao qual não foi citada nesses textos e se encontra pelo rio grande do sul?
ResponderExcluirTem a Lagenaria siceraria que é conhecida como porongo ou purunga. Um forte abraço!
ExcluirObrigado pela sua participação!